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Porto de destino

 

O barco atrasou meia hora, mas foi o suficiente para deixar os passageiros em pulgas. Vinha de Santa Maria e teria, em meia hora, de descarregar cerca de duzentas pessoas e uma dezena de viaturas. Não havia tempo a perder. Atracado ao cais exterior das Portas do Mar, o Santorini trazia jovens vitoriosos que, à saída, foram aclamados, efusivamente, como heróis.

Toda a operação, ao contrário do que se esperava, decorreu, rápida e ordenadamente. A marinhagem grega, com uma linguagem impercetível, ordenava as manobras dos condutores: rode à esquerda, siga em frente, mais, mais, vire, vire, estacione ali. Todos respeitaram as ordens, desejosos de sair do carro e subir ao salão para encontrar uma cadeira confortável onde passar a noite.

Passados poucos minutos, o navio largou do porto e, com um apito estridente, deixou a cidade para trás e escondeu-se por detrás da doca, rumo à Terceira e às antigamente chamadas “ilhas de baixo”.

Na grande sala de estar, comecei a perceber o destino e a origem dos passageiros: a uma mulher de meia idade, falando com o neto, reconheci, pelo sotaque e entoação de voz, ser uma conterrânea; em frente, dois americanos conversavam, descontraidamente, à boa maneira de São Jorge; um grupo de adolescentes estudantes, estirados no chão, aconchegados aos sacos-cama não escondiam o falar à moda da Terceira; mais adiante, um pequeno grupo de homens e mulheres mais entrados na idade, conversavam sobre lides de toiros na Vila Nova, onde o animal saltou o muro de uma residência e varreu tudo quanto encontrou pela frente. “Felizmente, não morreu ninguém!” atalhou uma matrona, perfeita mulher – benza-a Deus!- que o que é lindo é para se ver...

Foi rápida a viagem até à Praia da Vitória, devido ao vento leste que só uma vez por outra arrostava as vagas contra o costado do navio.

A manhã estava fria e ventosa, e nem dei que o barco já saíra da Terceira rumo à Graciosa. O meu encanto pela ilha de Jesus, como os mais fervorosos angrenses gostam de designar, levou-me ao convés. “Ali fica o aeroporto das Lajes, acolá a Vila Nova e mais além as quatro Ribeiras. Ao fundo os Biscoitos e depois os Altares, lá na ponta...” - comentava ao meu filho que parecia totalmente indiferente à minha descrição pormenorizada sobre aquelas localidades.

Para se ter amor a uma terra é fundamental ter nela vivido, ter lá passado bons e maus momentos e ter-se inteirado da maneira de ser dos seus residentes. Quem não sentiu como o ilhéu sente, quem não viveu como o ilhéu vive, quem não passou em terra e no mar o que passam os ilhéus, nunca compreenderá o que é viver numa ilha.

Estava eu nestes pensamentos quando me deparo com o ilhéu da Vila da Praia da Graciosa. Se o dia estivesse soalheiro, era fácil observar os garajaus que ali nidificam nas suas rotas migratórias. Mas uma neblina persistente e incomodativa, negava aos viajantes uma das paisagens mais belas da ilha branca.

Atracado à nova rampa roll-on-roll-off, o Santorini não demorou o serviço. Da Terceira, onde decorreu uma concentração regional, viajavam  “motards” que, por entre o roncar ensurdecedor, disseram adeus aos que continuavam viagem. Muitos deles dirigiam-se ao Faial. Reconheci-os pelo sotaque característico que, há umas dezenas de anos, se considerava um dos melhores padrões da fala em Portugal, emparceirando com Coimbra.

O que de melhor tem a Graciosa, para além das suas queijadas, são os típicos moinhos de vento. Sobre o Cais da Praia, existem quatro, todos bem recuperados.

Com os ilhéus do Carapacho para trás, rumámos a São Jorge. O mar continuava “roff”, como dizem os marinheiros da minha terra. A neblina encobre a ilha em frente e, naturalmente, a montanha do Pico que, em dias de céu limpo, proporciona uma imagem de inigualável beleza.

O tempo foi-se passando, com o mar de leste (“vento de leste não traz nada que preste” – dizem os antigos) a balancear o navio, numa viagem cansativa que já durava há meio dia.

Nas Velas, Vila maior do Triângulo, a mesma rotina no desembarque/embarque. As melhorias muito contestadas introduzidas no porto de pescas e de recreio náutico, não dispensam porém, o aumento do comprimento do cais de carga.

Daqui a pouco, estamos no Pico. Só a meio-canal comecei a descobrir as casas de São Roque, depois o porto, enfim, a ilha do meu destino.

Na rota das Ilhas, o mar é o grande elo da açorianidade, o meio mais profundo de aproximar pessoas, partilhando credos, saberes, tradições, falares, manjares, num denominador comum que todos inspira a permanecer aqui.

É este o desígnio dos açorianos.

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